Como mãe, conheci o medo há 10
anos, no momento que soube que estava grávida do André. Jamais havia vivido a
experiência de sentir tanta coisa adversa, ao mesmo tempo. Eu desejava
ardentemente ler “positivo” no resultado do exame, e foi o que aconteceu. Mas não
contava com o turbilhão de sentimentos, que invadiu o meu peito e me deixou sem
ar.
Ninguém sabia da minha suspeita
(de gravidez). Decidi, naquele dia 8 de maio de 2008, ir sozinha ao hospital,
confirmar a minha desconfiança, e fazer uma surpresa para o Felipe – que estava
chegando de viagem. No entanto, eu também fui surpreendida. Não esperava lidar
com tantas emoções distintas: alegria, amor, insegurança, euforia, cautela,
surpresa, medo... Uma mistura tão oscilante, que confundiu e inibiu a minha comemoração.
Claro que eu festejei, mas de forma bastante comedida.
Essa reação não passou de uma
autodefesa automática. Era como se eu não pudesse me permitir vibrar tanto,
mesmo querendo, e muito menos me “apegar”. Eu me deixei dominar por um medo,
desmedido, de perder e sofrer tudo, outra vez. Um pavor que eu desconhecia, até
então. Eu conhecia, sim, a dor de perder um filho no ventre, algo que havia
acontecido poucos meses antes. E foi a lembrança desse momento que me apavorou.
“E se acontecer de novo?!”, eu pensava, inevitavelmente – algo insuportável, só
de imaginar.
Sentir tudo isso me entristecia
profundamente. Pois, embora eu estivesse imensamente feliz com a confirmação da
gestação, o temor não me deixava curtir o momento, plenamente. Foi tão intenso,
especial e cheio de emoção quanto a descoberta da primeira gravidez, mas vivido
de forma bastante diferente, em muitos aspectos.
O meu primeiro “positivo” veio
após 3 ou 4 meses de tentativas. Um tempo de espera sofrido, que pareceu uma
eternidade, para quem achava que ia engravidar logo. Cheguei a pensar que era estéril.
Como nunca havia tomado anticoncepcional e, principalmente, como usuária do
Método de Ovulação Billings (um método científico e natural, que ajuda o casal
a conhecer e reconhecer o ciclo da mulher), desde o início do casamento, eu
realmente achava que ficaria grávida, sem dificuldade. Eu sabia quando estava
fértil e perto de ovular, sabia das chances que tinha de engravidar. Por isso,
cada vez que a menstruação descia ou que um exame de gravidez dava negativo,
mais sem esperança eu ficava. Até que, na primeira semana do Advento, em
dezembro de 2007, senti algo diferente, dentro de mim. Não se tratava dos
sintomas da gestação, pois ainda era cedo e nem sequer estava com a regra
atrasada. Mesmo sem razão aparente para suspeitar, algo me dava certeza de
estar grávida.
Após alguns dias de muita
ansiedade e silêncio (não comentei nem com o Felipe), resolvi ir ao hospital,
fazer o exame. Meu marido não fazia ideia! Fui pela manhã e retornei à tarde,
para pegar o resultado. Eu estava nervosa, rezava o tempo todo para ter forças
e aceitar qualquer resultado. No caminho, ia fazendo um trato comigo mesma, de
não comentar com ninguém, caso desse positivo, antes de dar a grande notícia
para o papai. E já tentava planejar como contaria para ele.
Lembro-me, com clareza, do
semblante da moça que me entregou o resultado. Enquanto imprimia o exame, ela
me perguntou se eu queria que desse positivo ou negativo. Respondi com a voz
trêmula, engolindo o choro: “positivo”. Ela deu uma espiada, antes de me passar
o papel, e não consegui decifrar, pela sua reação, qual seria o resultado.
Demorei um tempo para olhar a folha e encarar a verdade. Fui caminhando para
fora do hospital, com as lágrimas escorrendo, ainda sem saber de nada.
Finalmente, sem pensar, olhei! E lá estava, o que eu tanto havia desejado:
“POSITIVO”!
Nossa! Quanta alegria e emoção!
As lágrimas, que antes escorriam, agora jorravam. Eu ria e chorava. Chorava e
rezava. Agradecia e chorava. E já nem me lembrava daquele acordo, de não contar
para ninguém, antes do pai. Como não consegui falar com ele, tentei ligar para
os meus pais, também sem sucesso. Acabei sendo “forçada” a esperar algumas
horas, para contar para o Felipe.
Nós tínhamos uma palestra para
ir, naquela noite. Íamos juntos, mas houve um imprevisto e nos encontramos
somente lá. Como estávamos sempre cercados de pessoas, precisei me conter mais
um pouco. Na verdade, o plano era contar só em casa, e fazer uma surpresa,
quando fôssemos jantar. Mas, não consegui me segurar e contei tudo, logo que
tivemos alguma privacidade. Havíamos acabado de deixar o local do evento e,
enquanto caminhávamos pela calçada, parei diante dele, emocionada, e disse:
“Agora, nós somos três!”, mostrando-lhe o exame, como prova. Foi inesquecível e
indescritível! Ele não sabia o que fazer, para onde ir, como comemorar. Uma
cena que guardo com muito carinho. Por fim, decidimos ir para casa e ligar para
os nossos pais e familiares, no Brasil (morávamos em Montevidéu, na época),
para dar a grande notícia – que foi acolhida e recebida com muita festa e
vibração.
Na primeira ultrassonografia, com
8 semanas de gestação, vimos o seu corpinho ganhando forma, e o coraçãozinho
batendo forte. Nem podíamos imaginar que, na semana seguinte, nosso amado bebê
partiria. Só descobrimos quase 20 dias depois, quando tive um pequeno
sangramento. Perder um filho era algo tão surreal para mim que, quando o vi
novamente na tela do ultrassom, mais formadinho e desenvolvido que antes, abri
um grande sorriso, achando que estava tudo bem. Foi o Felipe que notou que
havia algo de errado. “Posso escutar o coração do meu filho?”, ele perguntou ao
médico, que respondeu, delicadamente: “Infelizmente, não há mais batimento
cardíaco”. Não vou me deter no que sentimos, porque é indizível. Fiz a
curetagem dias depois. O pior momento da minha vida, até agora.
Três meses depois, diante da
descoberta de uma nova gravidez, naquele mesmo hospital, tudo isso passava como
um filme acelerado, na minha cabeça. E eu temia, desesperadamente, reviver algo
parecido, outra vez. Já nem sabia se devia contar para todo mundo, como havia
feito antes. Então, meu marido me ligou, dizendo que havia chegado de viagem.
Quando nos encontramos, dei-lhe
um forte abraço e contei que estava grávida, sem tom algum de surpresa. Saiu de
forma espontânea. Ele até estranhou a minha aparente falta de euforia e deve
ter compreendido o motivo, mas se recusou em compartilhar da mesma reação. Vibrou e
se alegrou, como se fosse a primeira vez. E era! Porque cada filho é único.
Aquela experiência era nova e única. Tínhamos que vivê-la e aproveitá-la! E foi
ali, nos braços do meu esposo, que eu fui aprendendo a lidar com o medo, e que
eu me permiti celebrar a vida do nosso filho, como o meu coração ansiava, desde
o início. Não esperamos, nem guardamos segredo. Resolvemos anunciar a gravidez
imediatamente, sentindo, celebrando e demonstrando toda a alegria que tínhamos
direito e éramos capazes.
Se eu dissesse que vivi uma
gravidez tranquila, estaria mentindo. Ela teve emoção, do início ao fim. O medo
insistiu em ficar, mas não conseguiu sufocar a alegria, o amor e a esperança.
Embora, devo confessar, quase tenha conseguido me dominar, um dia. Quando um
familiar sangramento me assustou, e tudo parecia estar se repetindo, exatamente
igual. Mas, no final, soou um lindo som nos nossos ouvidos: a batida forte de
um coração.
Por essa batida, suportei todo o
repouso e desconforto da gestação. Por causa dessa batida, temo, rezo e dou o
meu melhor, a cada instante. É essa batida que me faz acolher e aceitar todos
os sacrifícios e exigências da maternidade. É ela que me dá a honra de viver os
melhores momentos da minha vida, e de escutar uma das palavras mais belas do
mundo: mamãe! Enfim, por essa batida, vale a pena sentir e enfrentar todo o
medo.
Raquel Suppi